A morte, o pluralismo irredutível das verdades e dos seres, a ininteligibilidade do real, o acaso, eis os pólos do absurdo.

"Sentou-se na cama e explicou-me que tinham andado a investigar a minha vida privada. Tinham descoberto que a minha mãe morrera recentemente no asilo. Procedera-se então a um inquérito em Marengo. Os investigadores tinham sabido que eu «dera provas de insensibilidade» no dia do enterro. «Veja se compreende», disse o advogado, «custa-me um bocado perguntar-lhe isto. Mas é muito importante. E será um grande argumento para a acusação, se eu não conseguir dar resposta». Queria que eu o ajudasse. Perguntou-me se eu, nesse dia, tinha tido pena da minha mãe. Esta pergunta muito me espantou, e parecia-me que não era capaz de a fazer a alguém. Não obstante, respondi que perdera um pouco o hábito de me interrogar a mim mesmo, e que era difícil dar-lhe uma resposta. É claro que gostava da minha mãe, mas isso não queria dizer nada. Todos os seres saudáveis tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou menos, a morte das pessoas que amavam. Aqui, o advogado cortou-me a palavra e mostrou-se muito agitado. Obrigou-me a prometer que não diria isto na audiência, nem ao juiz de instrução. Expliquei-lhe, no entanto, que a minha natureza era feita de tal modo que as minhas necessidades físicas perturbavam frequentemente os meus sentimentos. No dia do enterro, estava muito cansado e com muito sono, de forma que não dei lá muito bem pelo que se passou. O que podia afirmar, com toda a certeza, era que preferia que a mãe não tivesse morrido. Mas o advogado não ficou contente. Disse: «Isso não chega»."

Extracto de L'étranger

Sem comentários: